Espelho da Prova Dissertativa
PROVA ESCRITA – EDITAL 002/2015 – PROCESSO SELETIVO DA FORMAÇÃO DA TURMA DE 2016 DO CURSO DE DOUTORADO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DA UFC.
QUESTÃO 01. Discorra sobre a teoria do diálogo das fontes. Origem. Aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Discorra sobre a Teoria do Minimalismo Judicial. Origem. Aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Faça um cotejo entre as duas teorias e a possibilidade ou não de coexistência no mesmo ordenamento. (Valor da questão: 04 pontos).
ESPELHO:
A Teoria do Diálogo das Fontes nasceu em berço germânico sendo idealizada pelo jurista Erik Jayme, professor da Universidade de Heidelberg, e importada para o território nacional por Claudia Lima Marques, doutora por aquela universidade alemã e professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Essa teoria rompe paradigmas clássicos no campo da hermenêutica/exergese em que as antinomias jurídicas ficavam presas aos tradicionais critérios de solução propostos por Noberto Bobbio (hierárquico, especialidade e cronológico), porquanto sugere um novo molde que interpreta o ordenamento jurídico com olhar unitário, globalizado e o vê de forma sistemática e coordenada. Assim, as plúrimas fontes formais do direito não mais se excluem mutuamente, mas se complementam, conversam umas com as outras, num processo simbiótico, em busca de aplicação convergente para o mesmo caso em dado tempo, de acordo com parâmetros jurídicos que regem a matéria e em sintonia com as diretrizes constitucionais. Noutro polo, a Teoria do Minimalismo Judicial cuja elaboração se deve ao jurista Cass Sunstein, professor da Harvard Law School, levanta uma bandeira em defesa de um modelo teórico-hermenêutico que dissemina uma postura judicial mais concentrada, pragmática e recatada, desprovida de densas argumentações filosóficas e “abstratas”, valorizadora da subsunção do caso concreto aos termos da norma específica positivada e sem ousadias ampliativas que ofereçam ao Judiciário abertura para se substituir em seus julgados por outros Poderes (Executivo e Legislativo). Nesse sentido, a perspectiva de confluência ou coexistência das teorias citadas no mesmo ordenamento jurídico se rarefaz na medida em que manifesto o antagonismo dos métodos de solução de conflitos propostos por cada uma.
QUESTÃO 02. A Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência foi ratificada no Brasil por meio do Decreto 186/2008, com quorum qualificado de três quintos nas duas casas do parlamento federal, em dois turnos, segundo a previsão do parágrafo 3º, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988 e sancionado por meio do Decreto Presidencial 6949/2009. Tal Convenção, dentre várias outras garantias, impacta o sistema tradicional de capacidade civil, cuja legislação se demonstrava incompatível “com a sistemática os direitos humanos, na medida em que pode prejudicar o exercício escorreito dos direitos de personalidade por aqueles que sofrem uma limitação de ordem psíquica ou intelectual” (MENEZES, 2014:59). Apesar da força normativa da Convenção e sua posição hierárquica, tais não foram suficientes para, de forma efetiva, alterar os institutos que restrigiam a capacidade de agir das pessoas com deficiência. Também o judiciário manteve um entendimento atrelado aos institutos tradicionais da lei civil, nas declarações de incapacidade, sem levar em conta o texto da CDPD. Raras foram as decisões assentadas nos princípios desta última, sobre os direitos da pessoa com deficiência, em especial no que concerne às questões existenciais.
Diante do exposto, discorra sobre os ensinamentos de Flávia Piovesan no que se refere à incorporação dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos no ordenamento interno, bem como seu impacto, notadamente quando houver colisão com o direito interno, aplicando ao caso em análise. (Valor da questão: 03 pontos).
ESPELHO:
Percebe-se pelo Texto Constitucional (§§2º e 3º do art. 5º) que este atribui aos direitos internacionais “uma natureza especial e diferenciada de norma constitucional, e, em se tratando de norma relativa à direitos fundamentais, esta categoria seria então a de “Claúsulas Petreas” (art. 60, §4º, IV, CF\88). Entretanto, a autora entende que os direitos internacionais, alcançados pelo retrociado artigo, embora não possam ser eliminados via EC, seriam os tratados internacionais de direitos humanos matrialmente constitucionais suscetíveis de denúncia por parte do Estado signatário. Todavia, a autora acharia mais coerente que o mecanismo de denúncia fosse de complexidade semelhante ao aplicável à ratificação, fruto das vontades do Executivo e Legislativo. Quanto ao impacto jurídico do Direito Internacional dos Direitos Humanos no Direito brasileiro, tres hipoteses são propostas: a) coincidir com o direito assegurado pela Constituição (nesse caso a Constituição reproduz preceitos de Direito Internacional dos Direitos Humanos); b)integrar, complementar e ampliar o universo de direitos constitucionalmente previstos; ou c) contrariar preceito do Direito interno. Note-se que a CDPD corresponde perfeitamente aos itens “a” e “b. No caso em epígrafe, maior destaque merece, a terceira possibilidade de impacto: como solucionar eventual conflito entre a Constituição e determinado tratado internacional de DDHH¿ Piovan, destaca a solução preconizada por Trindade, qual seja, a primazia da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos da pessoa humana, seja ela norma de Direito Internacional ou de Direito Interno. A principal função da CDPD seria então a de dar visibilidade aos chamados “grupos vulneráveis”, passando a vê-los “como merecedores de igual consideração e profundo respeito, dotados do direito de desenvolvimento de suas potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena” (Piovan, 2012:34). Tal, não se faria possível por meio do sistema tradicional da capacidade civil, notadamente no que tange às questões existencias. Em decorrencia de sua própria natureza, os direitos e garantias expressos por essa Convenção deveriam ter tido aplicação imediata, tal não ocorreu em virtude, do já citado conflito com o sistema da lei civil. Somente em 06 de julho de 2015, com a edição da Lei 13.146, em consonância com os princípios da CDPD, ou seja, com a edição de uma norma infraconstitucional e interna, talvez haja a possibilidade de adaptação e aplicação de tais direitos e garantias
QUESTÃO 03. Diante dos contrastes entre crescimento econômico e desenvolvimento humano, observa-se que uma das críticas mais poderosas à Teoria da Justiça de John Rawls é endossada pelos que defendem uma abordagem das capacidades ao invés de uma abordagem dos recursos. Explicam que a Teoria da Justiça revela-se insensível às diferentes capacidades das pessoas de utilizarem-se dos bens primários, falhando, por consequência, na tarefa de possibilitar condições equitativas para que cada pessoa possa desenvolver e vivenciar seu modelo de vida.
Nesse sentido, resta a pergunta: qual é a posição de Amartya Sen no que concerne à análise sobre a liberdade em uma sociedade justa?(Valor da questão: 03 pontos)
ESPELHO:
A posição de Amartya Sen, no que concerne à análise sobre a liberdade em uma sociedade justa, perpassa pelo estudo sobre democracia, liberdade e igualdade. Discorre sobre capital humano e capacidades humanas e aponta distinções entre meios e fins. Observa que enquanto o capital humano, promovido por meio do acesso à educação, está intrinsecamente atrelado ao resultado positivo do crescimento econômico, a capacidade humana está relacionada à expansão da liberdade de escolha para levar o tipo de vida que cada um deseja. Já a pobreza é vista como privação do desenvolvimento de capacidades humanas, assim como a idade, os papéis sexuais e sociais, e a moradia, em localização geográfica, sujeita às secas ou inundações, por exemplo. O subdesenvolvimento é uma forma de privação de liberdade, noutro sentido, o desenvolvimento é um processo de eliminação das privações de liberdade e de ampliação das liberdades substantivas. As políticas públicas ajudam a garantir uma vida longa e proveitosa, mas carecem de suplementação, pois os seres humanos não são meios de produção; são a finalidade de todo o processo. Para Zen, direitos sociais e direitos políticos andam juntos e o regime democrático possibilita o exercício das liberdades civis e políticas. A democracia convive com discussões e debates públicos que levam a conciliar formas institucionais com práticas efetivas e à realização da justiça social. A realização da sociedade justa reúne oportunidades, capacidades e a liberdade da pessoa para fazer o que ela valoriza na vida.