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Universidade Federal do Ceará
Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC

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Etapa da Prova Escrita – Mestrado Acadêmico – Formação da Turma 2017

ESPELHO DE RESPOSTA – QUESTÕES  1ª  /  2ª  /  3ª

1ª Questão: Conceitue, relacione e diferencie, à luz da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, validade, eficácia, vigência, observância e aplicação de normas jurídicas, apontando, com o uso de exemplos, a relevância prática de se compreenderem tais noções básicas de Teoria do Direito. (3,4 pontos)

Sugestão de resposta:

No contexto da Teoria Pura do Direito, a validade de uma norma jurídica se caracteriza pela sua compatibilidade, formal e material, com normas de superior hierarquia, constantes do ordenamento no qual se encarta, as quais disciplinam o procedimento de sua elaboração. A eficácia, por sua vez, consiste na produção de efeitos no plano fático ou social, seja quando a norma é observada, seja quando é aplicada por órgãos a tanto encarregados. Uma norma pode ser válida e não ser eficaz, portanto, e, embora incomum, o contrário também pode acontecer. A vigência, embora em certos momentos seja tratada como equivalente à validade, com esta não se confunde, esclarecendo Kelsen que consiste no caráter “vinculativo” da norma, dotada desta qualidade a partir de quando os indivíduos passam a dever se conduzir nos termos nela prescritos. Há, pois, normas que, conquanto válidas, não têm ainda vigência, por estarem, p.ex., em vacatio legis. Dá-se a observância, por sua vez, quando a norma incide, e seus efeitos são adimplidos ou seguidos pelos seus destinatários. Finalmente, a aplicação, que é sempre um ato de terceiro, dá-se quando a norma, embora tenha incidido, não é observada por seu destinatário, ensejando a que um terceiro, a autoridade a tanto competente, tenha de exigir o cumprimento de seus efeitos, aplicando a sanção cabível, se for o caso. Tanto a observância como a aplicação dão, de forma primária e secundária, sucessivamente, eficácia à norma.

Tais conceitos são de fundamental importância para a melhor compreensão de diversas questões práticas. É o caso da conciliação entre o caput e o § 1º do art. 144 do Código Tributário Nacional, e de tantas outras situações nas quais uma autoridade – que observa as normas pertinentes à sua atividade e vigentes à época em que ela é exercitada – aplica outras normas já revogadas, desde que vigentes quando ocorridos os fatos sobre os quais são aplicadas e à época dos quais deveriam ter sido observadas. Quanto à distinção entre validade, vigência e eficácia, ela evidencia a diferença entre os planos do dever ser e do ser, em face da qual eventual desrespeito a uma norma não serve de justificativa a que ela deixe de ser observada ou aplicada.

Observações:

1 – Para cada conceito adequadamente definido, atribuir-se-ão até 0,4 pontos. Como são cinco (validade, vigência, eficácia, observância e aplicação), o candidato poderá obter até 2,0 pontos nesta parte.

2 – Para a adequada diferenciação entre eles, atribuir-se-ão mais até 0,4 pontos no total.

3 – Para a adequada correlação entre eles, atribuir-se-ão mais até 0,4 pontos no total.

4 – Para os exemplos práticos de utilidade das noções de TGD referidas na questão, até 0,6 pontos.

5 – Naturalmente, no que tange aos exemplos de utilidade prática, eles podem ser diversos do apontado no espelho (v.g., direito intertemporal e a relação entre normas processuais e normas de direito material), devendo, contudo, evidentemente, guardar análoga relação com os conceitos em comento.

2ª Questão: De acordo com a análise crítica e histórica de Gilberto Bercovici, na obra Soberania e Constituição, ao tratar das revoluções liberais do século XVIII, inclusive das restaurações monárquicas que lhe sucederam em algumas realidades políticas, como na França, por exemplo, estabelecer a distinção entre as concepções de Constituição, soberania e poder constituinte no constitucionalismo liberal inspirado em Montesquieu e no constitucionalismo liberal inspirado em Rousseau. (3,3 pontos)

PARÂMETROS DA CORREÇÃO:

1. A concepção de Rousseau, que resultou no Contrato Social, como síntese das vontades gerais e como sinônimo de Constituição, é identificada como a defesa da soberania popular, que concebe a titularidade do poder constituinte ao povo. Desse modo, a Constituição é a fonte da soberania do poder político, uma vez resultante da manifestação dos titulares do poder constituinte. A concepção de Montesquieu, entusiasta da monarquia, defende o governo misto, dividido entre o monarca e o parlamento, e não se preocupa com a legitimidade da constituição. Para Montesquieu, a titularidade do poder constituinte reside na tradição, sendo a constituição apenas uma auto-limitação do poder real, e não o fundamento de sua soberania. (conceito de constituição – 1.1 ponto)

2. Assim, enquanto o poder constituinte, para Rousseau, é popular, revolucionário e ilimitado, para Montesquieu é tradicional, até mesmo em virtude da experiência do Terror jacobino, que sucedeu a Revolução francesa de 1789, que para os liberais inspirados em Montesquieu teria resultado na associação da democracia com a ideia de tirania. Logo, os liberais à Montesquieu, opõem-se à qualquer ideia de poder ilimitado e revolucionário. A Nação ou o povo não são sujeitos do poder constituinte, mas uma realidade histórica e natural, que não pode ser determinada pela vontade dos indivíduos. (conceito de poder constituinte – 1,1 ponto).

3. A concepção do constitucionalismo liberal de Montesquieu aproximou o liberalismo europeu do historicismo britânico (Edmund Burke) e alemão (Savigny), negando a ideia de poder constituinte e de soberania popular, como Rousseau defendia. Esse liberalismo, inspirado em Montesquieu, defendia a soberania da lei, esta proveniente do consenso entre príncipe e representação política, e não como fruto da soberania popular ou da vontade geral, como constava da concepção do constitucionalismo liberal de Rousseau. A dualidade entre as tais concepções resultou em que o constitucionalismo do século XIX acabou se colocando em confronto com a revolução e seus corolários (poder constituinte, soberania popular e expansão da democracia), pois a valorização da constituição apenas como norma e não como fonte da soberania foi utilizada para fazer frente ao discurso revolucionário da soberania popular. O constitucionalismo liberal inspirado em Montesquieu busca, assim, a estabilidade ameaçada pela interpretação democrática da revolução, inspirada na concepção de Rousseau. (conceito de soberania – 1,1 ponto)

3ª Questão: No seu livro “Teoria dos Direitos Fundamentais”, Robert Alexy desenvolveu a tese de que os direitos fundamentais têm a natureza de princípios e são mandamentos de otimização.

Analise as principais críticas a essa ideia, tendo como base o posfácio que o próprio Alexy escreveu em 2002 para tentar rebater seus críticos.
Observação: não é necessário descrever a teoria de Alexy, mas apenas as críticas à sua teoria, tal como descritas no posfácio (3,3 pontos)

Espelho –

1 – Embora o próprio Alexy não concorde com as referidas críticas, há, na sua ótica, duas linhas ou pólos de ataques a sua teoria dos direitos como princípios que estabelecem mandamentos de otimização: a da insuficiência dos direitos e a do excesso ou demasia de direitos.

1.1 – A primeira linha sugere que o modelo de princípios retira a força dos direitos fundamentais, possibilitando o sacrifício de direitos em favor de finalidades coletivas. Assim, o candidato deve explorar as seguintes ideias que levam a uma mesma direção: (a) ameaça à força normativa dos direitos fundamentais; (b) enfraquecimento de direitos; (c) destruição do “muro protetor” que uma compreensão deontológica das normas jurídicas (regras) proporciona. (1 ponto)

1.2 – Ainda dentro da mesma linha, Alexy indica a existência de críticas que apontam para a ausência de parâmetros racionais para o sopesamento, o que também poderia ameaçar a força protetora dos direitos fundamentais. Assim, o candidato deve explora as seguintes ideias que apontam no mesmo sentido: (a) irracionalidade do sopesamento ou da ponderação; (b) arbitrariedade do juízo de ponderação; (c) possibilidade de flexibilização irrefletida dos direitos fundamentais; (d) decisionismo; (e) subjetividade. (1 ponto)

1.3 – Esse conjunto de críticas foi desenvolvimento por Habermas e pode ser designada de insuficiência de direitos fundamentais. O seu oposto, o perigo de um excesso de direitos fundamentais, é o cerne da crítica de Böckenförde (0,3 ponto).

1.4 – A crítica do excesso ou demasia de direitos fundamentais, que pode derivar da aceitação de sua força principiológica, aponta para o risco de haver uma irradiação exagerada de direitos fundamentais por todos os ramos do direito, inclusive contra terceiros (efeitos horizontais), o que poderia levar a uma constitucionalização “com conseqüências fatais”. Dentro dessa ótica, o legislador perderia sua autonomia, pois sua atividade esgotar-se-ia na mera constatação daquilo que já foi decidido pela constituição. Haveria ainda uma perda de importância do processo político democrático, gerando uma mudança do estado legislativo parlamentar para um estado judiciário constitucional. Assim, as palavras-chaves desse tópico são as seguintes: (a) excesso ou demasia de direitos; (b) constitucionalização total; (c) colonização da vida pelo direito; (d) hiperjudicialização da sociedade; (e) diminuição da liberdade de conformação do legislador; (f) hipertrofia da jurisdição constitucional. (1 ponto).

Fonte: Secretaria do PPGDireito/UFC / Comissão Examinadora do Processo Seletivo – Edital Nº 002/2016.

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